domingo, 30 de junho de 2024

Raizes

 


Carrego no coração muitas memórias:

Algumas deste tempo complexo e sombrio...

Outras atemporais e imemoriáveis...

Da mulher de agora, há cicatrizes que costuram meus pedaços...

Da criança de olhar perdido, carrego inadequação:

O estar sempre (des)conectada do seu tempo,

Parecendo vir de outro não-lugar além de onde me encontro.

A sacerdotisa se escondia na caverna de sombras...

Para fazer a alquimia das emoções mais profundas...

Perseguida por aqueles que temiam seu poder,

Seguia, despojada de medos, a sua forma de ser...

Conhecia plantas, lia as estrelas, conversava com o tempo...

Ensinava que podíamos dançar com o vento...

Viajante de tantas paragens e experiências singulares:

Saberes e sabedorias ancestrais me levaram a tantos lugares...

(Des)encontros e (dis)sabores verteram-se em valor e lágrimas,

A alma errante é mais forte na vulnerabilidade...

Diante da liquidez deste tempo, que escoa feito água,

Vislumbra-se o passado despido de sonhos e vestido de história...

Contando à criança interna tudo que sua trajetória,

Ainda trará de sombras e marcas; de caos e glória...

Pedaços de ontem cerzidos pelo agora...

Descrevem tanto de tudo que por mim desagua...

O cotidiano acelerado consome meus dias...

Traz a falsa sensação de veracidade...

Rouba o tempo do sonho e da efemeridade...

Será que ainda resta algo belo na realidade,

Nos escombros de agruras tão frias?

Haverá, em algum lugar, além do tempo e do espaço,

Possibilidade de vivenciar o que a alma veio buscar?

Ou passos lentos deixarão apenas os padrões das raízes?

Há que se viver mais do que crises...

Há que se sentir mais do que a estranha sensação...

De achar que precisamos estar todos na mesma direção,

Perdendo nossas idiossincrasias para seguir as mesmas diretrizes.

É preciso olhar para as pedras do passado...

E regar as flores perfumadas de agora...

Há sempre outro dia ao nascer do sol... Mesmo depois de uma noite fria...

Há sempre um novo tempo... Mesmo depois de tanta agonia

Há sempre um sonho possível... Mesmo cheio de nostalgia...

Urge colocar cor em nossas ações...

Com coragem, deixar de lado a razão...

E permitir, novamente, depois de tudo, guiar-se pelo coração!


quinta-feira, 6 de junho de 2024

ESCADA

 

Os poetas escolhem palavras de maneira peculiar:

Alguns selecionam aquelas que traduzem suas emoções...

Outros preferem as que espelham suas ideias...

Há tanta poesia no silêncio de um olhar...


Enquanto o coração guarda os sentimentos...

A mente seleciona suas muitas razões...

Palavras ecoam em mim...


Algumas me traduzem...

Outras me escamoteiam...

Talvez eu não seja passível de ser debulhado em palavras...

Apenas em sentidos múltiplos...


As imagens delineiam sonhos perdidos na memória,

As sombras invadem minha alma,

Roubando o espectro de mim que se olha no reflexo do luar...


Às vezes o cosmo me encanta tanto

E eu acredito, por uma fração de segundo, 

Que sou capaz de ler as estrelas...


Ouço a agonia vestida de roxo com lírio na mão...

Ela vem como o corvo anunciar a morte das ilusões:

O passado se foi, o futuro ainda não chegou

E o agora parece um quarto vazio...


Limpo, bem cuidado, com cortinas que lembram grinaldas:

O vento parece arrancá-las de súbito 

Para que elas se juntem às nuvens...


É hora de subir a escada atemporal da existência

Para adentrar o portal de um novo tempo:

Deixar o passado para trás

E os momentos enevoados arrefecerem...


Já não me sinto perdida nas minhas (des)ilusões...

Porque o primeiro degrau me apresenta a justa medida

De que sem amor não há caminho, nem porque caminhar...


Há que se voltar para si mesmo primeiro

E buscar outros versos em outros afetos...

Afinal só há amor para quem, de fato,

Aprende a si entregar inteiro...


Antes é preciso o amor próprio 

E assim adentrar o frio das despedidas

Para abraçar a intensidade da alma

Que se encontrou no laço, 

No passo, no pó...

Que esteve na solitude, tão só...

Mas que agora estende a mão para o sol...

E vê uma silhueta a abraçar sua solidão.


Estive entre o medo e o devaneio...

Agora acolho o sonho da travessia...

Que me transporta para o melhor de mim...


Achei que era fim, 

Porém era apenas começo: novo ciclo...

Janela da alma - meu olhar abriu a porta do jardim!


AMANTIKIR

 


 

Às vezes, preciso olhar para o alto:

Ver o céu, apreciar às estrelas...

Deixar o sol tocar nossa pele 

E aquecer o coração tão amargurado e vazio...

Quem sabe com lendas e histórias de amor...

Quem sabe com experiências de muito valor...

Quem sabe provando sensações com tanto sabor...

Para desconectar-se do virtual e reconectar-se ao mundo real,

É preciso desligar as vozes que nos impõem padrões

E ouvir nossos ancestrais que dançam sob a lua...

Povoando as histórias que contam quem somos nós:

Somos poeira de estrelas buscando a luz do sol maior!

Para isso, há que se voltar para si mesmo...

Silenciar a alma, ouvir a voz do nosso próprio coração...

Encontrar-se é (re)aprender que somos parte:

Parte de algo maior, imenso e transcendental...

Somos parte do outro que nos dá as mãos...

Que caminha conosco e ouve os suspiros de nossas dores...

Que escuta e acolhe os sentidos da nossa vulnerabilidade...

Que se aceita, ama-se e se permite ser humano...

Somos parte da Grande mãe, Gaya...

Que nos abriga, abraça e renova enquanto centelha divina... 

Na “Serra que chora”, 

Há inúmeras imagens singulares:

Meus pés pisaram a terra úmida,

Senti a vida perpassar por mim...

Águas cristalinas, límpidas e puras banharam-me da cabeça aos pés... 

Vi flores que transbordam amor e beleza...

Ouvi cantos de vários pássaros e o som do vento a balançar as árvores...

Algo mágico aconteceu dentro de mim:

Constatar que somos pequenos demais diante dessa grandeza...

Fez-me escutar o eco de todos aqueles que vieram antes...

Plantaram a semente, cultivaram a terra e colheram o fruto... 

Passaram pelas estações e aceitaram sua natureza...

Na Mantiqueira, reconectei-me com minhas raízes

Sou indígena, sou africana, sou europeia...

Sou fruto da beleza e da tragédia...

Não sou boa, nem má, apenas humana...

Sou parte de tudo e, sozinha, não sou nada...

Cada parte de mim reflete o que fui e o que serei...

Cada pedaço de mim transporta-me para além...

(Des)configurando-me das formas prontas

Para me apresentar a um novo horizonte: o firmamento azul...

A natureza me abraça: eu vejo, ouço, sinto, amo...

Enfim, estou em paz comigo mesma!