domingo, 28 de janeiro de 2024

Enigma

 


Ah... perdoe-me...

Perdoe-me porque minhas palavras já não cabem mais em mim...

E transbordam poesia:

“Decifra-me ou te devoro...”

Mergulhada no enigma da esfinge, sigo perambulando pelo deserto taciturnamente...

É um sonho? É uma miragem? Talvez seja apenas delírio...

“O que tem de manhã quatro patas, à tarde tem duas e à noite tem três?”

Épido respondeu que seria o ser humano, afinal ele engatinha quando criança, caminha quando adulto e quando envelhece precisa de uma bengala...

Contudo, nem tudo que nos devora é passível de tradução ou pode ser, de fato, descrito em palavras:

Etimologicamente “palavra” vem do latim “parabola” que a pediu emprestado ao grego “parabolé” – que significa comparação...

Linguistas completam que pode significar também aproximação, discurso alegórico, encontro, baque, choque...

Talvez, por isso, “parábola” possa se associar a tantas e variadas áreas como a seção cônica da matemática ou, depois de ser atirada à lama da vulgaridade do latim – que usa “verbum” na sua maneira culta, possa nos trazer à tona “parabla” tão presente nos romances românticos.

Sem dúvida, há muitas formas de falar sem nada dizer...

Há tantas formas de fazer poesia sem nada escrever...

Há muitas formas de se permitir e se perceber humano...

Sim, há outras linguagens... muitas...

Diante das palavras que se perdem no silêncio...

Visto-me agora apenas com a seda tênue da poesia que delineia o portal dos sonhos e bate desesperadamente à porta da razão:

Estou no labirinto de Chartres, buscando decifrar enigmas e encontrar respostas...

Olho em volta e não vejo nada...

Estou à beira do abismo: gritos ecoam e retornam para mim...

É apenas o som da minha própria voz em busca do descortinar do que foi ou do que ficou perdido no tempo e no espaço...

Meus medos desvaneceram, talvez tenham ficado presos ao formulário da moral e dos bons costumes...

É preciso se despedir da voz que dita regras e esquecer o que os outros podem ou vão pensar de nós...

Aceito o desafio de me ver decifrada, translúcida neste oráculo poético que tudo mostra que  tudo vê e nada diz explicitamente...

Vou me despedindo das dores e dos dissabores...

Estou plenamente iluminada pela minha intensidade que ferozmente me atira ao despenhadeiro das ilusões...

Já estive no inferno e já toquei o céu diversas vezes, apenas por ser assim: inteira e intensa...

Já vivi delícias inimagináveis e já me debulhei inteira em lágrimas...

Hoje, a mulher  - que sou – não acata mais a máscara da santa, “da bela, recata e do lar”...

Já não espero mais o príncipe encantado vir me salvar, nem desejo estar presa ao fatídico amor romântico, ou seja, não quero mais me aventurar numa relação falida como o casamento, nem quero um relacionamento perfeito – porque nenhum deles existe, são meras ilusões vendidas pelo mercado do patriarcado.

Hoje, a mulher – que sou – se olhou no espelho e viu no seu reflexo um mapa: minhas linhas de expressão espelham as cicatrizes que carrego na alma.

Mesmo diante do caos dos afetos desfeitos, encontro-me na encruzilhada do desejo...

Confesso que a mulher – que sou – não é de ferro...

Não é perfeita, nem santa (nem quero sê-lo)...

Sou de carne e osso... sou humana em demasia e em mim pulsa a febre do desejo...

Eu quis silenciar, eu tentei ficar quieta às insignificâncias do ser que se quer foi ouvido, mas o poeta em mim não me aceita submissa e me atormenta de madrugada, batendo incessantemente à porta dos meus sonhos...

Sim, a mulher – que sou – sonha e já sonhou tanto: algumas vezes sonhos lúcidos, noutras vezes desperta e bem acordada...

Sim, a mulher - que sou – sonha em diversos sentidos e com todos os meus sentidos: visão, tato, olfato, audição e paladar...

Ela sente e ela se sente...

Neste sentido, meus sentidos aguçados pelo desejo sussurram palavras tantas vezes silenciadas...

Muitas vezes eu escamoteei meus desejos, escondendo-me no ritmo acelerado do dia a dia, na falta de tempo e assim fazia-os adormecer, ou seja, esquecia o que me faz verdadeiramente vibrar...

Às vezes, uma voz ou um toque sutil desencadeia um fluxo intenso de energia que despeja a inércia de um lago na fluidez de um rio que segue em turbilhão em direção ao mar...

Tudo isso destrancou a caixa de Pandora – onde guardei meus desejos ardentes – e agora a mulher (que sou) pulsa de desejo, sente que está viva e, portanto, deseja viver o calafrio que me percorre inteira.

Não há culpa neste desejo, eu preferi, por tanto tempo, não ver e não sentir... apenas seguir no anonimato das minhas próprias emoções...

Preciso sair das sombras do silêncio e encontrar o meu desejo de viver e assim esquecer o resto do mundo, apenas para me permitir sentir e deixar os sentidos que me impelem seguir em frente depois de todas as tempestades...

Nem tudo está ao meu alcance, nem sempre se pode fugir de tudo, dos padrões pré-estabelecidos, das máscaras sociais e dos traumas do passado para encontrar o oásis no meio do deserto da alma, contudo, vez ou outra, o poeta bate à minha porta e me permite sonhar - tudo tem seu tempo e depois do sonho ( que pena!?!) - é preciso A – COR- DAR!