sábado, 20 de outubro de 2018

(M)OLHAR


A vida se revela diante dos meus olhos
Descortinam-se brumas que me assombraram no passado
O olhar triste da menina que viveu à margem de si mesma
Deu lugar ao da mulher absorta ante o mar e sua imensidão
Muitas vezes, olha e vê se esvaírem os cacos de outrora
(Des)pedaços de luz e cor misturam-se a fragmentos atemporais
Memórias intensas perdidas num percurso interrompido
Agruras letárgicas desconstruíram sonhos soprados, como pó ao léu...
Olvidaram essência e corromperem possibilidades da consciência
Impediram o amadurecimento da alma esquecida...

Histórias escritas a lápis em páginas jogadas ao vento
Palavras soçobradas sussurradas pelo tempo...
Direitos? Deveres? Onde estará o equilíbrio e a equidade?
Sempre houve deveres demais e tão poucos direitos...
Às mulheres foi dado o direito ao silêncio:
Usurparam, por séculos, nossas palavras...
Vilipendiaram nossos desejos...
Encarceraram nossa liberdade à sombra da submissão,
Negaram nossos valores e destruíram nossos talentos,
Obrigando-nos a gostar de clichês e conveniências...

Era necessário enaltecer a santidade:
Esconder o corpo e nossa humanidade,
Numa gaveta, deveríamos guardar o pensamento...
Conter os sentidos e deter a mente inquieta...                 
Não se podia falar com o coração, apenas ser “bela, recatada e do lar”
Muitas se rebelaram, condenadas à marginalidade, aos calabouços, à fogueira...
Foram marcadas, censuradas, amordaçadas: flor de liz com outros contornos...
Silenciaram nossa voz e cassaram, tantas vezes, nossos direitos:
Muitos foram os opositores, os torturadores, os carrascos e os capatazes...

Galgamos degraus nunca alcançados...
Desbravamos mundos e planos surreais e agora diante da fluidez atual...
Que, quiçá, representaria uma perspectiva aberta para um novo tempo...
Desmancham, desfiguram e liquefazem conquistas seculares...
Querem que voltemos para à nossa gaiola de prata...
Já não somos mais as mesmas, conhecemos nossa identidade...
Já não podemos engolir o clamor que ecoa dentro e fora de nós...
Ainda que estes sejam tempos líquidos,
Que vemos ora nos congelar diante do medo...
Ora nos permitir alçar voo em meio aos vapores da esperança...

Juntas, de mãos dadas, venceremos a dor...
Somos mais fortes do que imaginamos:
O que nos fortalece é nossa aparente fragilidade.
A verdadeira força da mulher está no amor que carrega...
Que a abriga nos braços e a afaga antes de dormir...
E que faz emergir das cinzas existenciais suas asas de Fênix...
É preciso ensinar novamente o mundo a amar
Afinal o ódio pode e deve ser transmutado...
Só o amor pode transformar o mundo num lugar melhor...
Cabe a nós abrir os olhos, tocar com o coração e abraçar nosso futuro!

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Oásis


Psiu!
Não acorde ainda, amor...
Adormeceram, por um instante, as agruras...
Escute a voz suave de Zéfiro
A sussurrar nos seus ouvidos o seu legado:
Siga em frente, não desanime...
Ainda que muitos o considerem tolo e bobo
Por acreditar no ser humano ou ter esperança...
Abra os olhos da alma
Que permaneceram, por tanto tempo, vendados...
Não se recuse a viver,
Porque cada instante é um presente
Concedido pelo criador a todas as criaturas...
Somos espelhos da criação... Filhos de Deus!
Divididos e duais: divinos e profanos...
Revelamos e reviramos o nosso âmago...
As palavras fazem sentido e nos fazem sentir
Ao tatear a essência esquecida, intacta...
Dedilhamos também os sonhos de outrora
Em busca de nossa singularidade e humanidade...
Afinal a vida é oásis no deserto...
Ora nos deixa sem ar, secos, empedernidos...
Sem rumo ou direção...
Noutras permite que como protagonistas
Debulhemos os matizes e os cacos de nossa história:
O passado ensina, amadurece-nos...
Somos maiores do que antes,
Melhores e mais inteiros do que ontem,
Somos filhos do mistério e do silêncio...
E o tempo desvela e revela quem somos:
Não podemos mais remar contra nós mesmos,
Sabotamos, tantas vezes, nossos sonhos...
Sem perceber que o inferno e o paraíso
Não está no outro, mas em nós mesmos...
Esqueça o ostracismo, vença o vitimismo...
Metamorfoseie os desafios...
Abra suas asas e se permita viver...
Não deixe a página em branco ou a vida se esvaziar...
Preencha com amor as bordas dos sonhos...
(A) colha o dia, presente de cada amanhecer!

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Crisálida



Lagarta enclausurada no casulo,
Absorta em sua dor,
Imersa na escuridão,
Consome-se cotidianamente
Nas agruras destes nossos tempos...
Despeja-se na liquidez disforme dos fatos...
Sua alma intrépida transforma sua essência:
Crisálida, presa, num fio de seda,
Dançando à luz prateada do luar...
Tênue fio da vida transmutando emoções...
No burilamento das sombras,
Há o encantamento das formas...
Revolvendo tudo tempestades internas...
Erupção de sentimentos ignotos:
Alguns exímios e nobres,
Outros vis e torpes...
Dualidade atroz: insana e humana
Que hora nos conduz ao céu,
Noutra nos atira ao inferno...
No firmamento, a lua beija o mar...
Numa rara confluência subliminar,
Despetalar de sonhos em flor:
Florescer de porvir a nosso dispor...
Sentidos à flor da pele...
Sutis e esperadas configurações...
Esvaziamento de opressões...
Gotejar de esperanças vindouras:
Os primeiros raios de sol despontam,
A crisálida rompe a fina seda,
Desabrochar da crise existencial:
Asas aflantes e coloridas,
De pudor e tabus desprovidas...
Abraçam-me e se esvoaçam...
Buscando outras direções.
Entreabro a janela da alma
E vejo onde estou:
À procura de mim mesma,
Enfim, desperto da agonia ignóbil...
Pressinto a leveza do vento...
Ah... Tenho asas!
E, finalmente, sinto que posso voar...
Feito borboleta errante!

segunda-feira, 30 de julho de 2018

AMOR É ESCOLHA


Quantas palavras cabem dentro de um olhar?
A língua muda dos sentidos aflora e nos revela...
É um instante infinito perdido entre nós e o sonhar...
Que tanto nos trouxe e ainda mais desvela...

Quantos segredos inconfessos selamos num abraço?
A voz da alma confidencia em lágrimas nossos (des)pedaços...
Necessita-se dos sentidos silenciosos e imprecisos...
Do dedilhar atrevido e/ou do suspiro que trespasso...

Quantas emoções trancafiamos nos dias mornos?
Preferimos a mesmice à intensidade do inesperado...
Mais confiável é o que se pode controlar: dias monótonos...
Esquecemo-nos num canto, não cabia pensar no poema desejado...

Ao escolher palavras, sentimentos delimitamos,
Marcamos invariavelmente a tessitura dos sentidos...
Vertemos sobre nós a tinta dos sonhos contidos...
Ainda que o imprevisível e o inefável duelassem em nós...

Não se escolheu a paixão, mas ela nos consumiu sem medida...
Entregamo-nos de corpo e alma...
Sem pensar, deixamos a poesia ser escrita... desmedida...
Sem perceber o amor nos tirou e nos entregou à calma...

Quanta poesia delineamos?
Nossos sentidos saborearam as palavras...
E as mesclaram a linguagens outras...
Somos versos e juntos tantos outros tomamos...

Embebidos em chocolate, café ou vinho?
Alguns puros, secos, doídos...
Outros doces, leves, fluidos...
Entretinham as entrelinhas com carinho...

O poema destila o que nos tornamos:
O que fazer com as escolhas do sentir?
Estar entrelaçados escolhemos?
Encontro de ontem no agora e no devir!


quinta-feira, 26 de julho de 2018

Palavras Esquecidas



Quantas vezes esquece-se o que se sente num quarto escuro e seguro?
Despeja-se o brilho do olhar no vazio taciturno das horas mortas...
Vamos nos deixando pelo caminho e nos perdendo em curvas tortas...
Não se pode inventar tudo, apenas encontrar nossa essência...
O que importa não é o porto que nos abarca, mas a travessia...

Precisam-se desenrolar sombras para aquiescer sonhos...
Não se pode viver à margem de si mesmo...
Não basta acreditar nos sentimentos...
É necessário ultrapassar muros, cruzar pontes, andar a esmo...
Desmensurar-se em versos desmedidos...

Onde estão as palavras mal ditas?
Sentidos se quebraram e nos despedaçaram?
Ah... Palavras de amor, num velho diário, esquecidas...
Cujos significados as rimas enferrujaram
No papel amarelado e enrugado lágrimas se revelam...  

Deveriam... Precisavam imensamente ser ouvidas,
Talvez transmutadas em beijos furtivos, em segredos,
Para enfim... Pintar a aquarela do ontem para o devir...
Contudo, borraram-se as tintas coloridas,
Ficaram trancafiadas nas gavetas dos medos.

Numa caixinha pequenina, guardou-se a intensidade...
E, vez ou outra, a sacudíamos para certificar se lá estava...
Escamotearam-se as vozes que baixinho suspiraram de saudade...
Em meio a máscaras sociais a história escrita era arriscada...
Cega, perdida, confusa, tateando os versos da verdade...

Camuflou-se o desejo, destruíram-se pontes, construíram-se muros...
Negou-se, rejeitou-se, fugiu-se... Estilhaçamo-nos diversas vezes...
Desviou-se o olhar, a direção... Tentamos apagar nossas cicatrizes,
No entanto, não há como negar que não se controla nada...
O sentir é insondável, intangível, indelével, capaz de nos fazer felizes!

terça-feira, 19 de junho de 2018

Fios d'ouro


Noites do mundo em conflito
Confrontam-se em mim ideias
Delineiam-se mudanças
Desbotam-se ideologias

Meu eu em desalinho
Espada na mão
Desta que chamam razão
E com escudo apenas meu coração

Sinto escoar emoções
Desaguam pedaços de ontem
Apequenados em busca do agora
Tantas lembranças... (des)ilusões

Numa gaiola dourada
Há um pássaro de asa cortada
Busca o céu azul dos seus sonhos
Esquecido, perdido, esmaecido nos medos

O poema se despedaça em versos
Esmiúça nas palavras o sentir (des)medido
Escrever é tudo que me resta?
Despedir-me, desfazer-me nesta festa?

Talvez haja além da sombra que sobra em mim
Dedilhando as cicatrizes de outrossim
Uma réstia de luz, uma faísca de estrela
Quiçá um fio dourado de sol nesta minha aquarela

Ah... quisera acabar agora com esta guerra
De luz e sombra... Razão e emoção
Deixar nos sulcos da pele
O suor e a voz que ecoam na amplidão

Desejo a luz do luar, espelhando o sol
Almejo o ápice, o céu... Enfim desperto
E vejo-me de braços vazios
A caminhar pelo deserto

Sede e fome abatem a alma errante
O corpo sente o peso dos anos
A alma a leveza do tempo
E tudo parece devaneio distante

Renovam-me o dia e a vida que clareiam: a aurora
Esperança de rever os cacos de outrora
Colados com fios d’ouro no tecer da memória
Colar de contas de lágrimas: minha história!

sábado, 2 de junho de 2018

MEMÓRIA


Realidade atroz me apavora...
Ando a esmo pela rua deserta...
A tessitura do agora em horas me desdobra...
E vejo vestida de prata a lua desperta...

É noite escura aqui dentro...
E lá fora outra noite se desvenda...
A fantasia borda meus sonhos: epicentro.
E eu olho a imagem no espelho: sem máscara ou venda!

Qual é a senha deste enigma egocêntrico?
Onde estou? Acordada ou em transe?
Perambulo pela orla de mim mesma: excêntrica.
Tateando as sombras e os resquícios: sente... pense...

Perto do que aqui dentro me escacaram...
O caos lá fora é ínfimo, ainda que sem fim pareça...
Despedaçam-se os fatos, criam-se pós- verdades: a tudo mascaram
Delineando conjunturas distorcidas sobre nossa cabeça...

E de tudo que a travessia me roubou agora quero tanto
Apenas sentir o calor das suas mãos sobre mim...
Por  favor, beija-me lentamente assim...
A memória precisa de decorar com detalhes todo o canto...

Ouça a música, que em noites como esta, fez-nos viajar
Entrelaçados ao luar, quis tanto por mais tempo sonhar...
Enxuga as lágrimas desta alma que cansou de chorar...
Embala as afinações que nos fazem despertar...

Psiu! Silêncio!!!
Não me acorde deste devaneio que me permitiu encontrar
Nas brumas do passado, os cacos do que sou: prenúncio...
Ah... desejo, na verdade, a entrega, o êxtase, o oásis: a-cor-dar!

quinta-feira, 24 de maio de 2018

TESSITURA DA VIDA



A vida se tece no fio tênue da memória
E como Pandora ora trancafiamos segredos
Ora abrimos a caixa e os permitimos sair
Dentro, mora sonhos ingênuos
Para os quais escancaramos as portas do coração
Lá... Camuflamos a mesmice dos dias mornos
Lá... Fantasiamos... 
Entregamo-nos às brumas
Abraçamo-nos, longamente, à imagem intacta
E nem percebemos que lá fora...
O tempo dispara, 
Corre veloz e nos atropela...
E, de repente, vemos nossa alma estilhaçada...
Precisamos desesperadamente acreditar
Que ainda é possível transmutar a realidade...
Que ainda é possível acordar além da letargia
Ali... Desponta as asas da borboleta errante
Estavam presas à teia de Aracne
Que desenhava os sentidos roubados por outrora
É preciso cuidar do enlace
Do corpo que urge se sentir vivo
Da alma que deseja conhecer sua essência
Costuramos os momentos
Entrelaçados aos sonhos
Que se fazem nas entrelinhas
Mas ainda não sei onde estou
Qual é o bordado que tenho desenhado
No meu caminhar taciturno?
O tear enreda-me, arrasta-me, devasta-me
E de repente me olho do avesso
E percebo que ainda está inacabado
Este é meu lado certo
Revira-me: memória de história aleatória
Remendando a travessia de cicatrizes
Porque nem tudo está no lugar certo
E o avesso sou eu... solta, livre, torta...
Esperando, curiosa, ali, bem, à sua porta...

segunda-feira, 9 de abril de 2018

(Des)água



Água flexível enche o copo na medida?
Transborda por todos os poros...
Fugaz demais no curso da vida...
Liquidez que nos transmuta...
Fluidez que nos esvazia...
(Des)configurados, perdemos nosso porto
Ainda pertencemos às nossas raízes?
Pontilhados pelas (des)costuras do tempo...
Ousados, desenhamos asas aflantes...
O desejo de voar é imenso, insano, descomunal...
Alquebrados em gotas, pisamos a terra
Pairamos, ávidos de sonhos,
Perplexos de inconsistências,
(Des)dobramos a voz da alma...
Desbravamos labirintos e (des)caminhos,
Soçobrados de (in)certezas,
Vemos evaporar nossa essência...
(In)seguros em forma, formato, formatação?
Almeja-se toque, som, cheiro... Luz e sombra...
“Insight” desejado, esperado, vívido?
Oásis de emoções (des)medidas de sentido?
Deserto árido de saudades (des)conhecidas?
Sou água límpida cristalina
Ou barro, lama, pauis, brejo, pântano?
Mistura de sagrado e profano... Apenas Ser Humano!

terça-feira, 13 de março de 2018

Sentidos




Ah... A intensidade tem um preço alto demais
Muitas vezes nos transborda...
Entorna, contorna, transforma...
Há de se querer sempre mais...

Meandros ambíguos... Polissemia...
Caminhos de palavras (des)contextualizadas...
Metáforas que (trans)figuram a travessia...
Magia de figuras poéticas( inter)textualizadas...

Há uma dificuldade inerente em mensurar os sentidos:
Afinal nem sempre se sabe qual direção seguir...
Muito menos se há mesmo para onde ir...
Destituímos significados e nos percebemos perdidos...
  
Ressonância do que escamoteamos,
Ciência de nossa própria essência...
Verso e inverso que unificamos,
Dedilhando a ambivalência: (con)vivência...

Tateamos o que os olhos não podem alcançar...
Degustamos o agridoce das percepções adormecidas...
Vislumbramos a penumbra que encobre o mar...
Imensidão de vozes a sussurrar sensações vividas...

Ouvimos a voz do coração clamando para ser ouvida...
Serão apenas melindres que nos tocam as emoções?
Concepções infundadas, desconexas ou convicções?
Certamente há tempestades de razão mal resolvida

Atenção, sentido!
Falta-nos tanto para ser inteiro...
Aparte, há se sentir parte primeiro...
Fluído flexível em outra forma contido..

Rompem-se as algemas o (res)sentido...
Cicatrizes, marcas, estigmas (pres)sentidos...
Para em duelo vermo-nos lapidados e (des)temidos...
Há de se permitir ser asas, voar, para ter sentido!