Diante do espelho
Vejo uma nova imagem...
Não me sorri...
Não chora por mim...
Apenas mostra as
marcas indeléveis do tempo.
Já não é mais criança.
A beleza de sua
vivacidade
Está ofuscada pelas
agruras vividas...
Exaure pelas mãos a
força da paixão...
Caminha taciturnamente
Em direção a si mesma...
Desfazendo contornos,
Tergiversando
metáforas
Ora claras...
Ora sutis...
Traz nos olhos o
brilho triste
De uma despedida...
Na boca o sorriso
desfeito...
Na voz entrecortada
Há um soluço...
Um sussurro que
despeja seu grito...
O corpo silencia a
febre...
O passado amornou os
sentimentos...
Não é possível viver
de lembranças
E novos significados
se definem...
Um vazio
incomensurável
Preenche o cinza dos
meus dias...
É como se uma parte de
mim
Tivesse sido
trancafiada
Na arca do tempo...
O espelho que se
mostra
Revela parcialmente
O que ainda me resta...
Falta-me a luz
Daquele olhar...
Que me despia de mim
mesma...
A voz que me arrancava
Da torpeza, da mesmice...
O toque que abrasava
minh’alma
Fecho meus olhos,
Mas não me consigo
sentir inteira...
Falta-me o abraço
ensandecedor da paixão...
Sinto um frio profundo
Acalentando-me o
coração...
Abro os olhos...
Não vejo a cor das
aquarelas...
Perco-me nas partituras
de violino...
São notas perdidas?
Pedaços de um sonho?
Matizes que vivemos?
Canções que escutamos
Ou juntos compomos?
Sei que meus versos
Debulham-se...
Descortinam-me...
A solidão escurece
meus dias
Desenho seus gestos,
Despejo sobre nós
Tantos e intensos
desejos...
Fomos conduzidos
diante
Um do outro...
Porém nossos caminhos
Interpuseram-se entre
nós...
E o olhar que tão bem
me reconhecia
Adormeceu os medos
esquecidos...
Um abismo cresceu
entre nós
Dentro de nós
E muitas vezes vejo
seu sorriso maroto
Ouço sua voz recitando
versos
Percebo suas mãos
geladas sobre as minhas
Ainda olho para a
linha do trem
Como naquela primeira
noite
E me pergunto por
que...
Ainda estou aqui sem
entender
As escolhas que
fizemos
Os passos que não
demos
Às vezes enxugo a
lágrima da despedida
Que não tivemos
Sei que nada é por
acaso
Que tudo tem seu
motivo
Mas ainda espero por
respostas
Que talvez inexistam
Ainda anseio por
palavras
Que se esqueceram de
mim
Além da imagem que
vejo
Há uma alma errante
Que duela com o
coração
Ainda se esgrimam em
mim
O querer e o poder
O ontem e o hoje
Seu olhar e o meu
Que tantas vezes
disseram tudo
Por nós
Que dispensava todo o
resto
Afinal eram capazes de
transportar-nos
Para um lugar mágico
Só nosso
Onde não precisávamos
ter receio
De parecermos piegas
Éramos apenas nós
mesmos
Sem máscaras, sem
medos...
Apenas seres
inacabados
Encontrando-se depois
De uma longa e
prolongada ausência!